segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Perdas... Ganhos...

por Marjorie Bock

Naquela manhã resolvi sair sem rumo. Tantas coisas na minha vida. Boas, nem tão boas... Era frio, mas o sol brilhava como o astro que é. Manta, touca e botas altas. Saí. As pessoas pela rua afoitas, correndo... Eu não. Estava em paz, mesmo com os sentimentos anteriores.
Sou uma mulher independente. Bem sucedida. Bem casada e com uma bela família. Aparentemente nada a queixar. Na verdade nunca me queixei, não formalmente. No entanto sinto algo a faltar.
Nada de material me falta, conforto, tranquilidade, filhos lindos, bons amigos. Mas hoje, especialmente, senti vontade de sair, sem rumo, sozinha, a pé... Nada falei à família. Simplesmente saí.



A cafeteria mais adiante me chama a um café. Mesinhas na calçada sob o sol, aquele imponente de que já falei. Sentei-me, à espera do menu. Ao redor mesas vazias. Poucas pessoas. Dia de semana, muitos trabalhadores. O garçom se aproxima, me entrega o menu. Olho até escolher. Levanto os olhos e faço o pedido. Num segundo nossos olhares se encontram e eu congelo.
Pedro Henrique? Como pode? Tantos anos? Emudeço. Ele sorri, não me reconhece. Estou de touca, manta e óculos. Mas eu, eu o reconheceria à distância. Mesmo porte, mesmo sorriso, as mãos... Faço o pedido e volto o olhar para à esquerda, a fim de que ele não me reconheça. E ele não o faz. Nem minha voz...
Quanto tempo, anos, décadas.
Pedro Henrique foi o primeiro rosto que fitei. Sorriso largo. Me levou de mãos dadas para a sala.
Lembro-me chegando na escolinha da vila. Pequena, frágil, temerosa. Vínhamos de uma cidade grande para morar naquele lugarzinho. Deixávamos amigos e parentes próximos. Estávamos também falidos, sem dinheiro e sozinhos.
Pedro Henrique foi o primeiro rosto que fitei. Sorriso largo. Me levou de mãos dadas para a sala. Era bem maior que eu. E assim ficamos até o fim do colegial. Sempre juntos. Nos amamos... Riacho, gramado, montanhas... Promessas de morrer juntos. Ele rico, proprietário da fazenda onde meus pais trabalhavam. Eu pobre, mas com a certeza de que jamais ficaríamos longe um do outro.
Então. Ele foi embora estudar. Ele me deixou... No início uma carta a cada dois dias. Depois a cada semana e depois quase nada. Até a notícia. Seu Pedro vem nos visitar com a família. Com a família? Casado, pai, ele chegou. Não havia terminado os estudos e se mantinha ainda com ajuda dos pais, por isso voltara, para trabalhar na fazenda. Naquela época eu já estava me formando no curso de direito, o qual fizera em vários anos, conforme podia pagar, pois trabalhava durante o dia em uma livraria.
Já não morava mais no vilarejo, mas visitava meus pais nos fins de semana. Assim eu soube que ele viria. Não tive coragem de encontrá-lo. Não quis mais vê-lo. O homem que eu tanto amei e que me amava também. O homem que me cuidou por tantos anos. Este mesmo me abandonou. Não eu não podia...
Respirei. Rememorei. E me aliviei. Tudo acabou ali. Ou tudo começou ali. 
O tempo então passou, me tornei promotora de justiça. Me casei. Tenho minha família e hoje, por que hoje?,hoje reencontrei Pedro Henrique. Garçom. Grisalho, pele sofrida. Mas o sorriso, o mesmo.
A tristeza que outrora me tomava dissipou. Tomei o café em goles homeopáticos. Respirei. Rememorei. E me aliviei. Tudo acabou ali. Ou tudo começou ali. Minha vida tomava sentido. Era isso. Ponto final no passado, no abandono, na perda.
Levantei-me. Deixei gorda gorjeta ao garçom. Agradeci e mais uma vez vi o sorriso do Pedro. Tirei os óculos, sorri também, agradeci e saí... Ele ficou mudo, sem reação...



Nenhum comentário:

Postar um comentário