por Marjorie Bock
Naquela
manhã resolvi sair sem rumo. Tantas coisas na minha vida. Boas, nem tão boas...
Era frio, mas o sol brilhava como o astro que é. Manta, touca e botas altas.
Saí. As pessoas pela rua afoitas, correndo... Eu não. Estava em paz, mesmo com
os sentimentos anteriores.
Sou uma
mulher independente. Bem sucedida. Bem casada e com uma bela família.
Aparentemente nada a queixar. Na verdade nunca me queixei, não formalmente. No
entanto sinto algo a faltar.
Nada de
material me falta, conforto, tranquilidade, filhos lindos, bons amigos. Mas
hoje, especialmente, senti vontade de sair, sem rumo, sozinha, a pé... Nada
falei à família. Simplesmente saí.
A
cafeteria mais adiante me chama a um café. Mesinhas na calçada sob o sol,
aquele imponente de que já falei. Sentei-me, à espera do menu. Ao redor mesas
vazias. Poucas pessoas. Dia de semana, muitos trabalhadores. O garçom se
aproxima, me entrega o menu. Olho até escolher. Levanto os olhos e faço o pedido.
Num segundo nossos olhares se encontram e eu congelo.
Pedro
Henrique? Como pode? Tantos anos? Emudeço. Ele sorri, não me reconhece. Estou
de touca, manta e óculos. Mas eu, eu o reconheceria à distância. Mesmo porte,
mesmo sorriso, as mãos... Faço o pedido e volto o olhar para à esquerda, a fim
de que ele não me reconheça. E ele não o faz. Nem minha voz...
Quanto
tempo, anos, décadas.
Pedro Henrique foi o primeiro rosto que fitei. Sorriso largo. Me levou de mãos dadas para a sala.
Lembro-me
chegando na escolinha da vila. Pequena, frágil, temerosa. Vínhamos de uma
cidade grande para morar naquele lugarzinho. Deixávamos amigos e parentes
próximos. Estávamos também falidos, sem dinheiro e sozinhos.
Pedro
Henrique foi o primeiro rosto que fitei. Sorriso largo. Me levou de mãos dadas
para a sala. Era
bem maior que eu. E assim ficamos até o fim do colegial. Sempre juntos. Nos
amamos... Riacho, gramado, montanhas... Promessas de morrer juntos. Ele rico,
proprietário da fazenda onde meus pais trabalhavam. Eu pobre, mas com a certeza
de que jamais ficaríamos longe um do outro.
Então.
Ele foi embora estudar. Ele me deixou... No início uma carta a cada dois dias.
Depois a cada semana e depois quase nada. Até a notícia. Seu Pedro vem nos
visitar com a família. Com a família? Casado, pai, ele chegou. Não havia
terminado os estudos e se mantinha ainda com ajuda dos pais, por isso voltara,
para trabalhar na fazenda. Naquela época eu já estava me formando no curso de
direito, o qual fizera em vários anos, conforme podia pagar, pois trabalhava
durante o dia em uma livraria.
Já não
morava mais no vilarejo, mas visitava meus pais nos fins de semana. Assim eu
soube que ele viria. Não tive coragem de encontrá-lo. Não quis mais vê-lo. O
homem que eu tanto amei e que me amava também. O homem que me cuidou por tantos
anos. Este mesmo me abandonou. Não eu não podia...
Respirei. Rememorei. E me aliviei. Tudo acabou ali. Ou tudo começou ali.
O tempo
então passou, me tornei promotora de justiça. Me casei. Tenho minha família e
hoje, por que hoje?,hoje reencontrei Pedro Henrique. Garçom. Grisalho, pele
sofrida. Mas o sorriso, o mesmo.
A
tristeza que outrora me tomava dissipou. Tomei o café em goles homeopáticos. Respirei.
Rememorei. E me aliviei. Tudo acabou ali. Ou tudo começou ali. Minha
vida tomava sentido. Era isso. Ponto final no passado, no abandono, na perda.
Levantei-me.
Deixei gorda gorjeta ao garçom. Agradeci e mais uma vez vi o sorriso do Pedro.
Tirei os óculos, sorri também, agradeci e saí... Ele ficou mudo, sem reação...
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